NOTA TÉCNICA SOBRE O PROJETO DE LEI DO SENADO FEDERAL DE Nº 3.515 de 2019, QUE DISPÕE SOBRE O EXERCÍCIO DA PROFISSÃO DO GESTOR AMBIENTAL

Diante do Projeto de Lei nº 3.515 de 2019, que tramita no Senado Federal e dispõe sobre o exercício da profissão do Gestor Ambiental, a Federação Nacional das Entidades de Engenharia Ambiental e Sanitária – FNEAS esclarece, inicialmente, que reconhece o esforço legislativo e a intenção positiva em regulamentar a profissão do Gestor Ambiental, corroborando com tal necessidade.

Da mesma forma, a FNEAS entende que a atuação na área ambiental é multidisciplinar e envolve diversos tipos e modalidades profissionais. De tal modo, para evitar prejuízos à sociedade e ao meio ambiente, a partir da atuação de profissionais na esfera ambiental, a FNEAS vem, por meio desta Nota Técnica, expor sua preocupação com o conteúdo do Projeto de Lei, que pode provocar prejuízos à sociedade e, inclusive, ao meio ambiente.

A apreensão da FNEAS é um reflexo da inquietação social relatada por diversos profissionais que atuam na esfera ambiental, pública e privada, em diferentes estados e que reportam tal preocupação às suas entidades de representação regional (Associações Estaduais federadas à FNEAS).

Portanto, a fim de analisar e contribuir tecnicamente com o Projeto de Lei, foi elaborada uma comissão especial composta por profissionais de diferentes estados do País, que se reuniu num grupo de trabalho para discutir os aspectos inerentes a este Projeto, conforme exposto abaixo:

  • Considerando que o Projeto de Lei nº 3.515 de 2019 atualmente tramita no Senado Federal, aguardando parecer da Relatoria através do Senador Fabiano Contarato;
  • Considerando que o Projeto de Lei citado cria requisitos para o exercício da profissão de gestor ambiental, relativos à sua formação e ao seu registro em conselho de administração, elenca campos de atuação profissional e dispõe sobre os direitos autorais e a responsabilidade pelos projetos e planos;
  • E considerando que o seu texto, já aprovado em Comissão Especial, apresenta o conteúdo parcialmente transcrito abaixo:

[…] “Art. 3º Sem prejuízo do exercício das mesmas atividades por outros profissionais igualmente habilitados na forma de legislação específica, compete ao gestor ambiental a realização de atividades de gestão e de planejamento, de interesse social, humano, ecológico e ambiental que envolvam:

I – educação ambiental;

II – gerenciamento e implantação de Sistema de Gestão Ambiental (SGA);

III – gestão de resíduos;

IV – elaboração de políticas ambientais;

V – desenvolvimento, implantação e assinatura de projetos ambientais;

VI – auditorias e elaboração e assinatura de laudos e de pareceres ambientais;

VII – avaliação de impactos ambientais;

VIII – assessoria ambiental;

IX – implementação de procedimentos de remediação;

X – docência;

XI – elaboração de relatórios ambientais;

XII – monitoramento de qualidade ambiental;

XIII – avaliação de conformidade legal;

XIV – recuperação de áreas degradadas;

XV – elaboração e implantação de projetos de desenvolvimento sustentável;

XVI – licenciamento ambiental;

XVII – elaboração de plano de manejo.” […].

O grupo de trabalho se apoiou neste texto do PL e nas referências técnicas e acadêmicas, analisando também questões interpretativas e de semântica. Após as discussões realizadas, foram considerados os seguintes pontos:

  • O Artigo 3º do Projeto de Lei nº 3.515/2019 afirma que “compete ao gestor ambiental a realização de atividades de gestão e de planejamento, de interesse social, humano, ecológico e ambiental que envolvam:”. As atividades relacionadas a partir de então, apresentam divergências que podem provocar equívocos de interpretação e aplicação da lei, conferindo atribuições inadequadas a este perfil profissional, face sua formação acadêmica.
  • No inciso III, Artigo 3º do Projeto de Lei nº 3.515/2019, informa que o profissional realizará atividades de gestão de resíduos. No entanto, não fica claro que a atividade está restrita à Gestão e o Planejamento. Pelo texto, pode ser inferido, inadequadamente, que cabe ao Gestor Ambiental a elaboração dos Planos de Gerenciamento de Resíduos. A gestão, o planejamento e a implementação podem ser executados pelo Gestor Ambiental, mas a elaboração dos Planos cabe aos profissionais habilitados para tal, seguindo resoluções específicas do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia – CONFEA. Diante disto, sugerimos o ajuste do inciso III do art. 3º substituindo “Gestão de Resíduos” por “Implementação de gestão de resíduos, desde que acompanhado de projeto elaborado por profissional técnico responsável”. Desta forma, fica claro que cabe ao referido profissional a gestão e o planejamento da implementação da gestão dos resíduos. A elaboração dos Planos não está incluída no rol de atribuições do Gestor Ambiental.
  • No inciso “V – desenvolvimento, implantação e assinatura de projetos ambientais;”, não fica claro quais são os tipos de projetos ambientais. Da mesma forma que o item anterior, enseja a interpretação equivocada ao não especificar os projetos. O termo “projetos” sugere a concepção de algo que demande cálculo, medidas e dimensões. Tal atribuição deve ser concedida mediante capacitação comprovada em histórico curricular, o que não é o caso do Gestor Ambiental. De acordo com o Catálogo Nacional dos Cursos Superiores de Tecnologia (MEC, 2016), o egresso do Curso Superior de Tecnologia em Gestão Ambiental deve ter o seguinte perfil profissional: “Planeja, gerencia e executa atividades de diagnóstico, proposição de medidas mitigadoras e de recuperação de áreas degradadas. Coordena equipes multidisciplinares de licenciamento ambiental. Elabora, implanta, acompanha e avalia políticas e programas de educação ambiental, gestão ambiental e monitoramento da qualidade ambiental. Vistoria, realiza perícia, avalia, emite laudo e parecer técnico em sua área de formação.” Adicionalmente, o Parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE/CES, 2001) de nº 436 de 2001, sobre a formação de tecnólogos, define que a área profissional que voltada ao Meio Ambiente terá as seguintes características: “Compreende ações de preservação dos recursos naturais, com controle e avaliação dos fatores que causam impacto nos ciclos de matéria e energia, diminuindo os efeitos causados na natureza (solo, água e ar). Compreende, igualmente, atividades de prevenção da poluição por meio da educação ambiental não escolar, da tecnologia ambiental e da gestão ambiental.” Diante disto, em ambos os casos, fica claro que os cursos de tecnologia em gestão ambiental não oferecem conteúdo programático voltado à elaboração de projetos. Assim, é inadequado conferir habilitação para assinatura de projetos ambientais por essa categoria profissional. A sugestão neste ponto é de que este item seja retirado do texto do Projeto de Lei.
  •  Assim como nos incisos III e V do Artigo 3º, o inciso “XII – monitoramento de qualidade ambiental;” não deixa claro que a atuação do gestor ambiental se restringe à gestão e ao planejamento, suscitando a possibilidade deste profissional atuar na elaboração dos projetos de monitoramento de qualidade ambiental. Esse tipo de projeto envolve a realização de cálculos de dimensionamento, avaliação de dispersão de pluma de contaminação mediante cálculos estatísticos e de modelagem, caracterizações físico-químicas e microbiológicas, dentre outras atividades que, como já mencionado, não fazem parte da formação acadêmica do gestor ambiental. Assim, é sugerido que o texto deste inciso seja modificado conforme segue: “implementação de planos de monitoramento de qualidade ambiental, desde que acompanhado de projeto elaborado por profissional técnico responsável.
  • A observação quanto ao inciso XIV – recuperação de áreas degradadas; segue a mesma sugestão feita no item acima. Deve ser inseridoImplementação deno início e finalizar com o textodesde que acompanhado de projeto elaborado por profissional técnico responsável, pela mesma justificativa já exposta. O Gestor Ambiental não tem habilidade conferida por meio de conteúdo programático curricular durante sua vida acadêmica. Conforme termos de referência de órgãos ambientais para a elaboração de Planos de Recuperação de Áreas Degradadas, devem ser contemplados neste documento, obrigatoriamente, a descrição do local a partir de mapas georreferenciados, a caracterização dos meios físico, biótico e antrópico da área, a descrição detalhada das atividades a serem executadas, o que pode envolver a recuperação da fitofisionomia, obras de contenção, retaludamento, projeto de drenagem pluvial, dentre outras intervenções civis e ambientais não englobadas como conteúdo programático na formação acadêmica do gestor ambiental. Adicionalmente, se o projeto for voltado às atividades de mineração, deve ser utilizado como referência a norma ABNT 13030 (1999), que envolve a elaboração e o projeto de disposição de rejeitos e de estéril, em barramento, em mineração, ou em pilha, conforme documentos normativos adicionais.
  • Como já mencionado no caso do inciso V, o inciso “XV – elaboração e implantação de projetos de desenvolvimento sustentável;” novamente utiliza o termo “projeto”, permitindo a interpretação de que o gestor ambiental estará habilitado sem estar capacitado para a elaboração de projetos. Assim, sugere-se a retirada da palavra elaboração, devendo permanecer como segue: “implantação de projetos de desenvolvimento sustentável, desde que acompanhado de projeto elaborado por profissional técnico responsável;”.
  • O incisoXVII – elaboração de plano de manejo. Também deve ser retificado conforme sugerido no inciso XII, inserindo a palavra “implementação” a fim de observar o mesmo cuidado no que tange a interpretação inadequada face a competência adquirida pelo gestor ambiental por meio da formação acadêmica referenciada pelo MEC.

Em tempo, ante ao que se coloca e, a partir do conhecimento acumulado pelo Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (CONFEA) e todo o seu sistema de CREAs (Conselhos Regionais de Engenharia e Agronomia), sugerimos ainda que seja avaliada a possibilidade de vinculação dos Gestores Ambientais ao Sistema CONFEA-CREA.

Existem outras modalidades profissionais que atuam na área ambiental (Engenharia Ambiental, Engenharia Sanitária, Engenharia Sanitária e Ambiental, Agronomia e Engenharia Agronômica, Engenharia Florestal etc.) e já são regulamentadas por meio de resoluções específicas do CONFEA, a fim de organizar a atuação profissional, evitar potenciais choques entre as categorias, defender a sociedade das práticas ilegais e promover a atuação multidisciplinar.

Por fim, acreditamos que as intervenções acima sugeridas contribuirão para garantir qualidade no exercício profissional dos Gestores Ambientais, sem prejuízos à sociedade e nem mesmo às demais categorias profissionais. Acreditamos ainda que o Projeto de Lei é importante e urgente, devido à necessidade de regulamentação dessa categoria profissional.

Não obstante, consideramos justas e adequadas as retificações no texto do Projeto de Lei nº 3.515/2019. É perceptível que as inserções e ajustes são contributivas e não excluem os gestores ambientais de suas potenciais atividades, mediante formação apropriada. Esse é o compromisso assumido pela Federação Nacional das Entidades de Engenharia Ambiental e Sanitária – FNEAS e o seu Grupo de Trabalho.

Agradecemos antecipadamente pela disponibilidade e nos colocamos à disposição para quaisquer esclarecimentos.

Referências:

ABNT 13030. Elaboração e apresentação de projeto de reabilitação de áreas degradadas pela mineração. Associação Brasileira de Normas Técnicas. 1999. Rio de Janeiro/RJ. 

CNE/CES. Parecer nº 436 do Conselho Nacional de Educação / Câmara de Ensino Superior. Despacho do Ministro em 5/4/2001, publicado no Diário Oficial da União de 6/4/2001, Seção 1E, p. 67. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CES0436.pdf. 

MEC. Catálogo Nacional dos Cursos Superiores de Tecnologia. 3ª ed. Ministério da Educação, Brasília/DF. 2016. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.phpoption=com_docman&view=download&alias=98211-cncst-2016-a&category_slug=outubro-2018-pdf-1&Itemid=30192. 

2 comentários em “NOTA TÉCNICA SOBRE O PROJETO DE LEI DO SENADO FEDERAL DE Nº 3.515 de 2019, QUE DISPÕE SOBRE O EXERCÍCIO DA PROFISSÃO DO GESTOR AMBIENTAL

  1. Mariluce Domingos Responder

    Muito importante a contribuição da FENEAS e a participação dos profissionais da área de Meio Ambiente e Saneamento para garantir a qualidade e o exercício profissional dos Gestores Ambientais .

  2. Mariluce Domingos Responder

    Muito importante a contribuição da FNEAS e a participação dos profissionais da área de Meio Ambiente e Saneamento para contribuir com a qualidade e o exercício profissional dos Gestores Ambientais .

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